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[RESENHA] A sereia da concha negra


Olá, leitores!

Autora: Monique Roffey | Páginas: 304 | Editora: DarksideBooks | Ano: 2023 | Gênero: Romance, Ficção, Fantasia | Tradução: Marcela Filizola | Classificação Indicativa: +14

Ah, Senhor. As coisas que um homem vê nessa vida, especialmente se ele se conecta com a natureza e vive perto do mar.


Esse foi um livro que desde a primeira vez que o vi, já fiquei totalmente interessada e morrendo de vontade de ler. Seja pela premissa que envolve sereias, algo que sempre fui muito apaixonada, como também pela edição que achei a coisa mais linda do mundo. Por isso, admito que o devorei em um dia e não me arrependo disso. 

Precisava ver a sereia de novo para ter a convicção de que seus olhos não o haviam enganado. Precisava apaziguar aquela inflamação que se formara em seu coração, acalmar o zumbido que se iniciara em seu sistema nervoso. David nunca sentira nada parecido, com certeza não por uma mulher mortal.


A história começa em 1976, onde David Baptiste, um jovem pescador negro com belos dreadlocks dedilhava seu violão enquanto esperava na sua canoa apelidada de Simplicidade nas águas caribenhas da ilha de Concha Negra. Havia saído bem cedo a fim de conseguir mais peixes, mas o que encontrou nas águas não foi o que esperava. Quando relaxava, avistou uma cabeça saída da água do mar o observando. Passado o susto, percebeu que não era uma cabeça apenas e sim uma mulher de pele vermelha como uma indígena e cabelos pretos e longos cobertos de musgos e cracas do mar.

Veja bem, a Ilha de Concha Negra tinhas suas histórias e mitos, um deles era sobre os homens-sereia que vinham de tempos em tempos acasalar com mulheres ribeirinhas (algo parecidíssimo com o nosso Boto-Cor-de-Rosa) porém nunca haviam citado uma sereia, eram sempre tritões e, claro, histórias antigas contadas durante conversas de pescadores da ilha após boas doses de bebida.

A música a levou até ele, não o som do motor, embora ela também conhecesse isso. Era a magia que a música cria, a canção que vive dentro de cada criatura na terra, incluindo as sereias. Fazia muito tempo que ela não ouvia música, talvez mil anos, e assim ela fora irresistivelmente atraída para a superfície, bem indolente e interessada.


Apesar do susto inicial, David fica encantado com a sereia, apelidando-a carinhosamente de dou dou e passa a procurar por ela. Imaginando que talvez sua música tenha sido o que a atraiu, começa a cantar e tocar, esperando avistá-la, o que aconteceu após algumas tentativas. A aproximação demorou, mas a partir daí, o laço fora criado e sempre que ouvia a aproximação da canoa Simplicidade de David, ela se aproximava. Quando alguns homens brancos chegam na ilha para pescar, com seu enorme barco chamado Destemor, David já pressentiu o pior, pressentimento que foi concretizado quando a embarcação retornou com a enorme sereia.

Eu estava amando a leitura e passando muita raiva porque no momento em que Aycayia é capturada, o pior lado possível dos homens é mostrado. A sereia não é similar a nada que já fora visto. Ao olhar para ela já se nota que veio de outro tempo, de outra era, como um enorme ser de eras passadas, com sua gigante cauda prateada e cabelos pretos como tentáculos. Ela desperta desejo e fúria em todos, que a penduram de cabeça para baixo na Baía da Desgraça enquanto comemoram a captura em um bar local. As cenas que narram a captura dela ao ser atingida por um arpão e a exposição é tão bem escrita que beira ao sufocamento. Aycayia está não apenas assustada como furiosa. Assim que chega aos ouvidos de David sobre a captura, ele consegue aproveitar do temporal e salvá-la, mas machucada não apenas fisicamente, ela se mostra bem difícil de aproximar, cuidar e cooperar.


Uma hora se passou, talvez mais. O mar disse: Cuidado com o que pedem. Sou maior do que vocês. Levem apenas o necessário. Os homens ficaram, com toda franqueza, hipnotizados quando tudo aconteceu.


Conforme o tempo passa e a convivência aumenta, aos poucos os dois vão se aproximando. David consegue conquistar a confiança dela e tratar seus ferimentos. Ao mesmo tempo, parece que Aycayia vai deixando de ser sereia. Pequenos animais marinhos saem de seu corpo e cabelos, sua cauda se solta de seu corpo dando lugar a duas pernas de pele avermelhada, assim como a pele que havia entre seus dedos cai. A conexão entre os dois aumenta e não demora para David, que antes se questionava se havia feito o certo, se apaixonar pela bela mulher em sua casa. Aycayia era diferente de tudo o que já havia ouvido falar. Não era incrivelmente bela mas de alguma forma atraía os homens como um ímã. Quando passa a ser capaz de se comunicar por palavras novamente, já que havia desaprendido devido aos incontáveis anos no mar, ele descobre que ela havia sido amaldiçoada. As mulheres de sua tribo, com raiva e inveja, haviam pedido que a deusa Jagua a castigasse e afastasse de seus homens que se apaixonavam pela voz e dança de Aycayia. Então, a deusa prendeu suas pernas e seu sexo dentro de uma cauda, a condenando a uma vida solitária. 

Aycayia, a sereia, pendia de cabeça para baixo, a boca amarrada com corda. De seus olhos vazavam uma espécie de gordura salgada. Ela não conseguia entender o que els diziam, mas pelo tom zombeteiro sabia que era ameaçador. Lembrou-se dos homens, aqueles que a tinham visitado com tanta frequência, os maridos, os homens solteiros, tudo isso muito tempo atrás. Lembrou-se de como eles vinham para ouvir suas canções, para vê-la dançar, lembrou-se de como era difícil repelí-los; e de como as mulheres da aldeia não gostavam nada disso.


A vida de David e Aycayia é tranquila, a mulher aos poucos aprende sobre o mundo com ajuda também da Srta. Rain e de Reggie, seu filho surdo que ensina a sereia a linguagem de sinais. Quando os homens retornam após descobrirem quem havia salvado a sereia, a calmaria se desfaz e o pequeno aconchego do casal é desfeito. Amei muito a história dos dois, achei lenta de uma forma positiva e a autora conseguiu mostrar o melhor e o pior lado do ser humano, do amor e da inveja. A história me prendeu bastante, apenas achei que faltou um capitulozinho a mais para me dar mais informações que achei que ficaram em aberto. Acredito que a intenção era essa, já que o final é um pouco assim, apesar de não totalmente, visto que há várias páginas do diário de David anos após a história que nos conta o que aconteceu depois. 

Ele sentia que aqueles olhares vinham de uma época diferente da consciência humana. Os olhos da sereia lhe examinavam a alma. Quem é você, queriam saber.


Foi uma história gostosa de ler, que me deixou com raiva das pessoas mas que me prendeu muito e me deixou querendo mais. Sem contar que é incrível saber mais sobre a cultura e os povos do Caribe, além de trazer críticas sociais muito necessárias sobre a colonização local e questões ambientais também. Espero ler mais da autora logo.

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